Thursday, February 23, 2006

Coevos

Se Cervantes cá voltasse o que seria de D. Quixote de La Mancha e do seu escudeiro Sancho Pança? Estou certo de que essa combinação (Cervantes hoje) resultaria em mais uma banal novela para a TV! A vida frenética e de base tecnológica dos nossos dias está a matar todos os assuntos e a inibir o surgimento de grandes escritores bem como de obras marcantes. Se Cervantes cá pusesse os pés, o seu fidalgo D. Quixote, iria, com certeza, ter que se haver com torres eólicas em lugar dos pachorrentos e carinhosos moinhos de vento. E é aqui que a coisa perde a piada: Uma torre eólica não tem a mesma rusticidade de um moinho de vento. É mais esplendorosa mas gera menos paixões (a mesma diferença existe entre uma Cláudia Shiffer e uma Catherine Zeta Jones: A primeira é vistosa, a segunda é gostosa, algo bem mais efectivo) e, para além do mais, lutar contra um moinho de vento pequeno e rechonchudinho é muito mais razoável e racional do que lutar contra uma monstruosa, oxidada e fria torre eólica. Quem nunca confundiu um moinho de vento com um soldado e um conjunto de moinhos de vento com um campo de batalha que lhe atire a primeira pedra! É normal e aceitável esta confusão quando se trata de moinhos de vento, agora, quando entram torres eólicas ao barulho fica mais difícil de engolir! Às torres falta-lhes algo, falta-lhes o motivo para a paixão. Não emanam um amor ardente.
As pessoas de hoje criam constantemente realidades paralelas bem menos plausíveis do que a que Cervantes imaginou para Quixote (exemplo: a economia portuguesa está a crescer; estamos no bom caminho; etc) mas não rendem porque a tecnologia desfaz o romance, elimina o suor, inibe o amor desgarrado e louco, enfim, cria paixonetas. Uma paixoneta nunca deu uma grande história. Uma paixoneta não tira o fôlego nem revolve o mundo.
Uma análise similar pode ser feita em relação à grande obra do nosso imenso Camões. Arrisco, sem grande margem para dúvidas, que usaria das “armas” químicas e dos mísseis “assinalados na ocidental praia (de bandeira azul) Lusitana”. Isto é grave! Não tem nada a ver! Uma arma química mata seres vivos em massa. Alguém valoriza a morte de multidões? Uma arma convencional ou uma bola de canhão do século XV mata muito menos mas fere muito mais e o romance está, precisamente, onde está o sangue e o sofrimento. Está onde há humanos a espernear. Morrer sob a batuta de uma arma química é uma banalidade rápida e silenciosa demais. Morrer com o peito vazado por uma bola de chumbo fumegante, lançada estrondosamente de um canhão a 300 metros de distância, é uma atrocidade observável, prazeirosamente. A atrocidade anda de mãos dadas com os feitos homéricos e estes, por sua vez, ligam-se estritamente aos meios artesanais. Não há heróis sem sangue como não há sangue sem paixão e, no final de tudo, nada disto existe na efeméride tecnológica do nosso tempo.
É por isso, e só por isso, que ninguém neste espaço dará um dia um grande escritor. Porque ninguém grita com ímpeto: Que morra a tecnologia! Que morra a vida frenética! Que morram... Mas que morram de morte lenta.

3 Bocas:

Anonymous Anonymous Disse...

The windmills have a cold charming. Each one is a white giant that makes its works calmly and strongly...You said they are less poetic than the littles green mills. But don't you think the mills are the tricky ones? With their rustic way of being, they attracts us and provoc passions... but a passion by definition, is like a night-butterfly who will die so soon. Due to this passion, the old mills are still there trying to breathe their last oxygen. But the calm windmills never fall..

6:17 PM  
Blogger Temp Disse...

One time ago, an unknown friend (F), wrote here this sentence: "O duelo trouxe a vida com a morte, um preço insignificante a pagar por algum alento."

To die so soon, like your night-butterfly, may be an insignificant price to pay for a little bit of passion...

3:31 PM  
Anonymous Anonymous Disse...

Living is so much more difficult, painful and brave to live than die, like a night-butterfly, for passion or pleasure.
Just feel the pain make you alive. And in the mean while, the butterfly is burning under the light with a pleasure he never compared to a pain...
That's a pity to die without trying to live...

6:56 PM  

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